A culpa é das vacas?
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Abril 30, 2019Agropecuária defende o papel dos animais na descarbonização dos ecossistemas
Os produtores portugueses de animais ao ar livre, secundados pelos especialistas que participaram na conferência “Gestão Pecuária Ativa para a Neutralidade Carbónica”, realizada no dia de abertura da Ovibeja, defendem que é urgente proceder à desmistificação relativa ao papel da pecuária na descarbonização dos ecossistemas, mostrando os contributos dos animais para o reequilíbrio ambiental, designadamente a sua influência na fertilidade dos solos.
A iniciativa do Monte do Pasto e da ACOS – Associação de Agricultores do Sul permitiu realizar um debate profundo sobre os reais impactos da pecuária nos ecossistemas agrícolas do nosso País, tendo sido dados contributos importantes para se perceber qual o caminho que realisticamente deve ser tomado com vista a um controlo efetivo das fontes de poluição.
Quanto à questão de saber se, afinal, a criação de gado é causa do problema ou parte da solução ficou claramente afirmada a vontade dos criadores de gado ao ar livre de tomarem as suas responsabilidades nesta matéria, até porque a desinformação propagada pelo ativismo irresponsável coloca o ónus do esclarecimento público em quem desenvolve uma atividade responsável e sustentável.
Clara Moura Guedes, presidente do Monte do Pasto, sublinhou esta responsabilidade dos criadores de gado num “período importante para a agricultura e a pecuária em particular, em que tudo é posto em causa, alegando-se as mais variadas preocupações, pretextos e justificações e em que os desafios são, por isso, enormes”. Para Clara Moura Guedes “importa tentar, de uma forma racional, informada e fundamentada, analisar com profundidade as múltiplas vertentes que resultam das opções estratégicas, económicas e políticas”.
O primeiro painel sob o tema «contributos para um compromisso entre a racionalidade económica e a sustentabilidade ambiental na pecuária portuguesa», contou com a intervenção de cinco oradores e culminou num debate moderado por Eduardo Diniz, Diretor Geral do Gabinete de Planeamento, Políticas e Administração Geral, do Ministério da Agricultura.
Ricardo Freixial, professor auxiliar do Departamento de Fitotecnia da Universidade de Évora, foi o primeiro orador e fez notar que “a agricultura é uma atividade que emite menos gases poluentes do que os transportes e do que emite a produção e o consumo energético”. Para o especialista, a premissa a ter em conta ao longo do debate foi a de que “a existência de vacas pode, de facto, não ser prejudicial para a questão poluente”.
Gustavo Ales, presidente do aleJAB (Instituto Savory para a Península Ibérica e Norte de África), que apresentou o maneio holístico na produção pecuária, um método que promove a presença de gado no solo para melhorar a qualidade dos mesmos e aumentar a retenção de carbono na terra. “Um dos grandes mitos é o de que os animais é que degradam os territórios, mas a verdade é que quando se retira os animais dos territórios o que se produz é deserto”, refere o espanhol, enfatizando a importância da presença dos animais nos ecossistemas.
Sandra Martinho, cofundadora e diretora executiva da Lasting Values Green Intelligence, concorda que os setores “bovino, pecuário e agrícola não têm uma responsabilidade extraordinária ou pesada em termos das emissões de gases estufa”. Ressalva, no entanto, que tem que ser feito um “esforço para reduzir todos as emissões de gases de efeito estufa”.
Hugo Costa, diretor de serviços de programação e políticas do GPP do Ministério da Agricultura, trouxe a perspetiva relativamente ao calendário estabelecido pela PAC (Política Agrícola Comum da União Europeia). “No âmbito ambiental e climático, a futura PAC aponta para uma nova arquitetura ecológica”, tendo como principais preocupações “uma utilização eficiente dos recursos, com os serviços de aconselhamento a atuarem de uma forma integral e eficaz, com o objetivo de introduzir conhecimento e fazer responder a necessidades concretas do setor, nesta área da proteção ambiental e ação climática”.
Graça Mariano, subdiretora geral da DGAV, afirmou que é necessário “consolidar a importância do bem-estar animal, sem fundamentalismos, considerando-o essencial e que acaba por concorrer para tudo aquilo que queremos numa agropecuária sustentável”. “Não acredito que haja um produtor que não tenha interesse em aplicar todos os requisitos de bem-estar animal, desde que tenha conhecimento quais eles são” – disse a responsável da DGAV.
O segundo painel juntou cinco intervenientes para falar sobre os “os desafios e oportunidades para uma pecuária competitiva e sustentável em territórios do interior” moderados pelo jornalista Vitor Andrade, do Expresso.
Gonçalo Macedo, do Monte do Pasto, referiu-se à forma como é medida a pegada carbónica fazendo notar que “se tivermos em conta apenas a carne que chega às prateleiras, podemos ser vistos como um dos grandes responsáveis de emissões de carbono, uma vez que somos o maior criador de gado bovino português”, mas é preciso saber ver que no terreno o Monte do Pasto desenvolve um “processo sustentável de criação de animais ao ar livre, que vai permitir uma retenção de carbono, porventura até maior do que a quantidade que é emitida».
Para João Madeira, da sociedade agrícola Vargas Madeira, “o grande problema é que a insustentabilidade, se considerarmos o curto prazo, aparentemente compensa”, e “só que quando estendemos o período, começamos a ter problemas nesses mesmos terrenos”. Por isso, «há uma palavra a ser dada pelo consumidor” que, informado, tem a opção de escolher conscientemente que tipo de produto quer consumir.
Já Afonso Bulhão Martins, da CFBM Agricultura, manifestou confiança nas instituições e reguladores, sublinhando “que a certificação e a rotulagem devem ser distintas e fáceis de perceber» porque são «um caminho para aumentar a competitividade e valorizar a produção».
João Oliveira Soares, da Herdade da Abegoaria, considera que a sustentabilidade não é um custo, explicando que «sempre que introduzimos uma atividade na nossa casa, neste caso produção de carne, ela tem de cumprir uma função base que é transformar erva em carne, mas além disso, como a terra é todo o património que nós temos, ela tem que ser melhoradora desse ativo».
Marta Manoel, da APOSOLO – Associação Portuguesa de Mobilização de Conservação do Solo, afirmou que «a maneira como produzimos a carne vai ter de sofrer alterações para restituir a sustentabilidade ao próprio sistema» por isso defende que «não podemos estar a olhar para a produção pecuária separada do meio onde ela se desenvolve».
Claudino Matos, Diretor-Geral da Associação de Agricultores do Sul (ACOS), encerrou a conferência com uma intervenção virada para a necessidade de se saber mais, por meio do estudo e da investigação séria, ficando a agropecuária nacional muito grata a todos os que “ajudam a combater alguma desinformação que percorre atualmente a opinião pública”.
A desmistificação da necessidade de redução do número de cabeças de gado foi uma das ideias mais referidas, afirmando a fundamentação técnica que permite propor a presença de bovinos e de outros animais em contexto de pastagens naturais como fator de descarbonização.