Os animais domésticos não são uma construção social
Setembro 9, 20195 liberdades do bem-estar animal
Setembro 19, 2019Eliminar a carne de vaca das cantinas é “drástico”
Um especialista do departamento de Ambiente da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP) considera que a decisão de eliminar o consumo de carne de vaca das cantinas universitárias de Coimbra é “drástica” e “alarmista”.
Em declarações à Lusa, António Guerner, docente e membro da Comissão do Departamento de Geociências, Ambiente e Ordenamento do Território da FCUP, afirmou esta quarta-feira que a decisão tomada pelo reitor da Universidade de Coimbra (UC) foi “demasiado drástica”.
“As medidas não devem ser adoptadas de forma drástica, porque isto pode ser um exemplo interessante, que pode dar um pequeno contributo para a diminuição do aquecimento global, mas vai criar um alarmismo social e outro tipo de problemas junto da cadeia económica de produção de carne de vaca”, salientou.
Para António Guerner, esta medida pode não ser “totalmente eficaz”, uma vez que deveria ter sido “acompanhada de uma campanha de consciencialização do consumidor” e dar a “liberdade ao consumidor consciente de escolher aquilo que prefere”.
Em causa está a libertação do gás produzido pelos dejectos dos bovinos, o gás metano, que segundo António Guerner, em estado de decomposição e fermentação “contribui de forma mais acentuada do que o CO2 [dióxido de carbono] para o aquecimento global”. “Em termos técnicos, uma molécula de gás metano tem um contributo para o aquecimento global muito superior do que uma molécula de CO2”, explicou, alertando que os dejectos de todos os animais libertam este gás. “Todos os dejectos de quaisquer animais produzem metano, produzem é em diferentes concentrações e quantidades”, frisou.
Na sua perspectiva, o Estado, à semelhança do que fez com os produtos que continham excesso de sal e de açúcar, “também poderia taxar o consumo de carne de vaca”, lembrando existirem ainda outras “alternativas mais amigas do ambiente”. “O metano produzido pela fermentação dos dejectos dos bovinos poderia ser aproveitado para produzir electricidade. Há instalações experimentais em algumas pecuárias na Europa que conseguem canalizar o metano produzido e esse metano é transformado em electricidade”, concluiu.
O reitor da Universidade de Coimbra (UC) anunciou na terça-feira que vai eliminar o consumo de carne de vaca nas cantinas universitárias a partir de Janeiro de 2020, por razões ambientais. Segundo o reitor da universidade, Amílcar Falcão, a eliminação do consumo de carne nas cantinas universitárias será o primeiro passo para, até 2030, tornar a UC “a primeira universidade portuguesa neutra em carbono”. “Vivemos um tempo de emergência climática e temos de colocar travão nesta catástrofe ambiental anunciada”, sublinhou, na sua intervenção, perante centenas de alunos.
A carne de vaca será substituída “por outros nutrientes que irão ser estudados, mas que será também uma forma de diminuir aquela que é a fonte de maior produção de CO2 que existe ao nível da produção de carne animal”. Por ano, cerca de 20 toneladas de carne de vaca são consumidas nas 14 cantinas universitárias da UC.
A medida tem dado que falar e já foi criticada por vários organismos, como a Confederação dos Agricultores de Portugal, a Confederação Nacional das Cooperativas Agrícolas e do Crédito Agrícola de Portugal, a Associação dos Produtores de Leite de Portugal e Associação Portuguesa dos Industriais de Curtumes. O PAN, por seu turno, já elogiou a decisão, tal como ministro do Ambiente, João Matos Fernandes. Já a Associação Terra Maronesa enviou uma carta aberta ao reitor, garantindo que a produção de carne maronesa é “amiga do ambiente”.
Terra Maronesa diz que produção é amiga do ambiente
A Terra Maronesa enviou uma carta aberta ao reitor Amílcar Falcão. “A posição tomada publicamente por vossa excelência é contraproducente e contribui para a desinformação da opinião pública com consequências ecológicas e económicas potencialmente perversas”, afirmou a organização, em comunicado enviado à agência Lusa.
A maronesa é uma raça autóctone que tem solar na serra do Alvão, que se estende por municípios como Ribeira de Pena, Vila Pouca de Aguiar ou Vila Real. A associação garantiu que a carne “não é toda igual”, desafiou a reitoria de Coimbra a incluir “o consumo de carne maronesa no sistema de cantinas da sua universidade” e sublinhou que desfrutar deste produto é “contribuir para um ambiente melhor”.
“Os novilhos engordados a milho e soja ou nas pastagens da América do Sul têm custos ambientais devastadores que, para além da eructação de gases de estufa, passam pela destruição da floresta tropical amazónica, a aplicação de quantidades maciças de fertilizantes fosfatados (um recurso não renovável) e a emissão de CO2 de origem fóssil através do transporte de animais e carnes por via terrestre a longas distâncias e da travessia do atlântico em navios ou aviões com sistemas frigoríficos”, referiu no comunicado.
Em contrapartida, frisou, “os criadores de gado maronês estão a desenvolver um sistema inovador, alternativo, de produção animal amigo do ambiente, assente na maximização do bem-estar animal”. Naquele espaço, garantiu, “a maior parte dos alimentos animais é gerado no monte ou nos lameiros, um habitat rede natura 2000″.